Igreja de Gemunde
A Antiga Igreja Paroquial de São Miguel de Gemunde (Nossa Senhora da Guia)
Conhecida erradamente como Capela de Nossa Senhora da Guia, esta igreja situa-se no lugar de Gemunde e pertence, atualmente e desde há muitos anos, à paróquia de São Tiago de Outiz. E pergunta-se o porquê de esta igreja ser apelidada de capela? Única e exclusivamente por se tratar de um templo extremamente pequeno, em comparação com as restantes sedes paroquiais que se espalham no concelho. Mas assegure-se que se trata de uma igreja, dado que é possuidora de um baptistério no seu interior, aspeto que as capelas não possuem. E o porquê de ser conhecida por Senhora da Guia e não por São Miguel?
Isso é porque se festeja neste local esse título mariano que tantos romeiros e fiéis atrai. É parte da cultura famalicense mais ocidental, no primeiro domingo de agosto, rumar àquela que é tida como uma das mais simples e emotivas festividades do concelho. O ponto alto das festas é a peregrinação que o povo faz, na manhã do domingo festivo, desde a Igreja de São Tiago até à Ermida de São Miguel, onde é celebrada a missa campal. Subindo toda a encosta do monte de Gemunde, é comovente observar a fé daqueles que, debaixo de um sol abrasador (na maiorias das vezes) ascendem à Senhora como prova de amor, fé ou gratidão. A Senhora da Guia atrai milhares de pessoas que vêem das freguesias circunvizinhas, nomeadamente Vilarinho das Cambas, Cavalões, Calendário, Fradelos, Ribeirão, Gondifelos ou Brufe, isto no concelho de Vila Nova de Famalicão. No que toca ao conselho de Barcelos, é sabido que "rumam" à Senhora, fiéis de Minhotães ou de Negreiros. Da Póvoa de Varzim, vem povo de Balasar e do concelho de Vila do Conde, vêem pessoas das freguesias de Ferreiró, Bagunte ou até Parada. Famosa pelos seus milagres e graças concedidas, estas festas em honra da Virgem dão relevo à fé de outrora que, apesar de se estar a desvanecer, tem vindo a permanecer-se.

De referir que o primeiro documento que menciona
a paróquia de São Miguel de Gemunde são as Inquirições de D. Afonso II e datam
de 1220. Devia ser, efetivamente, uma paróquia muito pequena, atendendo à décima eclesiástica que pagava ao Rei. D. Dinis (Vieira, 2000, p. 138).
É claro que uma paróquia tão pequena como esta tinha, mais tarde ou mais cedo, de ser anexada a uma outra. Ao que se sabe, já esteve anexa a Cavalões, passando também por Antas. O que é certo, é que a última foi São Tiago de Outiz e é a essa que continua anexada, já desde 1894. É interessante referir que esta é a única paróquia anexada que permaneceu com o seu património, não sendo nada demolido desde há séculos. Por exemplo, da antiga paróquia de São Veríssimo de Pedrafita, não resta vestígio visível do mosteiro de monjas bentas que possuiu, nem tampouco da igreja paroquial. Por outro lado, da antiga paróquia de Santa Marinha de Vicente, sabe-se apenas qual o local onde a igreja estava implantada. No entanto, acredita-se que capela de São João de Pedra Leital tenha sido a sede paroquial de São João de Sesulfe, ou a capela de São Tiago, em Requião, que se acredita ter sido edificada sobre as ruínas da antiga igreja paroquial de São Tiago de Ninães. É certo que nenhuma delas manteve erguido o seu cruzeiro, nem tampouco o seu cemitério ativo. Gemunde, para bem do património famalicense, continuou com a igreja edificada, com o cruzeiro implantado e com o cemitério, crê-se que no sítio original. Sorte da paróquia de Outiz que é possuidora de duas igrejas, dois cruzeiros e até mesmo dois cemitérios. Parecem duas freguesias distintas, mas não, são uma só, com uma riqueza patrimonial única e invejável.
Bom, este templo eleva-se na encosta de um outeiro que deu nome à antiga paróquia. Atrás desta igreja, a apenas umas dezenas de metros, ergue-se a Quinta da Torre de Gemunde ou, simplesmente, Solar de Gemunde; edifício do século XVIII que, adossado à sua frontaria, é possuidor de uma torre de três pisos e uma capela dedicada a Nossa Senhora do Socorro.
De referir que, como é de esperar, a igreja
dedicada ao Príncipe Celeste tem a sua fachada orientada para
poente, sendo a sua capela-mor voltada para nascente, como é muito frequente nos templos cristãos
em Portugal e, claro está, sempre que o terreno o permitisse.
Edificada em granito de duas qualidades, o seu aspeto atual está intimamente
marcado pela reforma barroca que esta igreja sofreu no ano de 1708. Foi nessa
altura que a fachada foi alterada de acordo com as diretrizes barrocas.

sendo-lhe acrescentados nos cunhais as pilastras a imitar colunas toscanas, sobrepujados por pináculos piramidais coroados por bolas, a fachada é de empena subida recortada ao alto para dar lugar a um campanário de um só sino, também coroado por cruz e pequenos pináculos piramidais. Em restauros posteriores, foi substituída a verga da porta principal que rachou, onde está a data da reconstrução barroca de 1708, que ao presente se conserva no jardim adjacente (Almeida, 2013, p. 132).
As duas mísulas que ladeiam a entrada são a prova de que esta igreja teve, em tempos idos, um pequeno cabido que servia de proteção da porta principal. Afirma-se ainda que o óculo que se encontra na frontaria da fachada, foi aberto por ordem do Visconde de Gemunde, no ano de 1897; Visconde que, sendo natural da freguesia de Viatodos, Barcelos, veio albergar-se em Gemunde, constituindo família e habitando no já mencionado Solar de Gemunde. Mais tarde, veio a ser enterrado no jazigo de Gemunde, mesmo ao lado da igreja de São Miguel, onde perpetuou a sua memória com um grande jazigo familiar.
Interiormente, esta igreja de salão, ou seja, de nave única, alberga traços extremamente barrocos. Assim, refere-se que o arco de cruzeiro que separa a capela-mor da nave data do século XVI. Ambas as faces deste cruzeiro (da capela-mor e da nave) têm a mesma fábrica. Também nos parece de fábrica românico-gótica a rude pia batismal, constituída por pequena bacia posta em cima de tronco granítico decorado em espiral (Almeida, 2013, pp. 132-133). É ainda preciso destacar o antigo púlpito barroco, situado na parede norte da igreja.

A capela-mor deste templo foi reconstruída no
ano de 1708 e caracteriza-se pelos seus cunhais e pilastras de Ordem Toscana, com o mesmo
coroamento dos pináculos da fachada principal. Pelo
menos desde 1758 que os três altares não alteraram as devoções que albergam. O
vigário Domingos Fernandes Braziela, nas memórias paroquiais do mencionado ano,
refere que os altares eram dedicados a São Miguel-o-Anjo, Nossa Senhora da Guia
e São João Evangelista, o que ainda acontece ainda nos dias de hoje.
Conheçamo-los.
Primeiramente, o altar de maiores dimensões, o
altar-mor da igreja, está dedicado, como já foi referido, a São Miguel. Foi
erguido segundo os ideais barrocos e aproveita a disposição e distribuição de um outro mais antigo (talvez do século XVI ?), pois falta-lhe a característica principal da imensa maioria dos retábulos-mores barrocos portugueses - o trono eucarístico ou tribuna (Almeida, 2013, p. 134).

É então que surge a pergunta: onde é que os
gemundenses colocavam o Santíssimo Sacramento sempre que procuravam honrá-Lo?
Respondesse que o mesmo era exposto numa Custódia que era colocada sobre o
sacrário, "o que também poderá ser por causa da capela-mor ser demasiado baixa
para a construção de um retábulo nos moldes tradicionais" (Almeida, 2013, p.
134). Ornamentado em talha dourada que desenha motivos vegetalistas, o
altar-mor decorado com cabeças de anjos, parras, pássaros e uvas, é dividido
por quatro colunas que dividem o mesmo em cinco partes, sendo que, na parte
mais central, se situa um belo sacrário decorado com ramagens douradas, as
Fénices (símbolo de Cristo Ressuscitado), cabeças de anjos e dois meninos que
suportam uma coroa sobre a porta onde está representado o Menino Jesus, com a
mão direita a abençoar e na esquerda leva a Cruz da Ressurreição (Almeida,
2013, p. 134).

Ergue-se, por cima deste sacrário, uma simples e pequena Cruz, também ela barroca, que era retirada para se expor a Custódia do Santíssimo Sacramento. Imaginariamente falando, este altar alberga quatro devoções, duas do lado direito do sacrário e outras duas do lado oposto. Primeiramente, e "lendo" as figurações da esquerda para a direita, devota-se, como era de esperar, São Miguel-o-Anjo, numa imagem barroca datada do século XVIII. Seguidamente aparece-nos uma imagem do Menino Jesus, de vestir. Do lado oposto, venera-se o Mártir São Sebastião, também ele datado do século XVIII e o Abade São Bento. Depois do arco do cruzeiro, erguem-se os altares de São João Evangelista, à esquerda, e de Nossa Senhora da Guia, à direita.
O altar do Discípulo Amado alberga uma belíssima imagem barroca, datada do século XVIII, deste mesmo Apóstolo, que está apoiada sobre um plinto talhado com três anjos, lembrando, deste modo, a excelsa intercessão do santo e o seu elevado grau de santidade e proximidade com o Salvador. Este altar, bem ao estilo do barroco nacional, é bastante semelhante ao altar-mor da igreja, porém foi executado e talhado de uma maneira mais perfeita. Já no registo inferior deste mesmo altar, dividido em dois, encontram-se as pequeninas imagens barrocas de Santo António de Lisboa e de um santo bispo; pode tratar-se do Bispo e Mártir São Brás, do afamado São Frutuoso de Braga, ou de outro santo bispo que, certamente, atraía devotos a esta igreja. De referir ainda que, bem no cimo deste retábulo, se ergue uma águia talhada, que lembra o tetramorfo que identifica o Santo ao qual o altar é dedicado.

No lado oposto e colocado na diagonal, à semelhança do de São João Evangelista, tem-se o altar da Senhora da Guia, lugar onde os fiéis se dirigem para cumprir as suas promessas. Não tão monumental como o altar do Apóstolo, este retábulo obedece às diretrizes neoclássicas e é ornamentado por duas colunas coríntias de capitéis dourados. Bem no centro do mesmo, ergue-se a imagem de Nossa Senhora da Guia, datada do século XVIII, possuidora de um moderno manto de vestir.
Para terminar a descrição do templo, refira-se que, na parede sul, depois da porta lateral que se encontra na mesma, surgem duas peanhas em pedra que albergam as recentes imagens de Nossa Senhora de Fátima e do Coração Imaculado de Maria.
Exteriormente, e depois de percorrer a Alameda de Nossa Senhora da Guia, ergue-se um cruzeiro, em granito, imposto sobre um degrau e caracterizada pelos seu pedestal e coluna toscanas, que culmina com a costumada cruz ao alto.
A Imagem de Nossa Senhora da Guia
A Virgem apresenta-se de pé em posição frontal e num ligeiro contraposto, apoiando o peso do corpo sobre a perna esquerda recuada. A sua cabeça é tapada por um véu amarelado e o seu olhar distante ainda é dirigido para o público que a venera. O seu rosto, de sorriso ténue, apresenta maçãs do rosto ligeiramente coradas, o que confere mais realidade à imagem. De vestes rosadas e manto azulado exteriormente e esverdeado interiormente, a Virgem da Guia carrega, no seu braço esquerdo, o Menino Jesus. Diga-se que tanto o manto, como a túnica, são ricamente decorados por motivos florais e vegetalistas, essencialmente a dourado, aparecendo, no interior da túnica, flores vermelhas. A mesma capa desce pelos ombros da Virgem, sendo cingido no braço sinistro, não sem antes lhe tapar o seu lado direito desde o baixo-ventre até aos pés. Pés esses que, num negro sapato, timidamente aparecem debaixo dos panejamentos.

Refira-se, então, que a mão esquerda de Maria segura o Menino pela anca e que a perna esquerda do mesmo se estende até à mão direita da Sua Mãe. Por sua vez, o Menino, de cabelos acastanhados e totalmente despido, traz o globo terrestre sobre o joelho esquerdo e segura-o com mão direita. De olhar terno para os fiéis, o Menino ergue o seu braço e mão esquerdos, como se carrega-se algo que O ajudasse a guiar os povos; é devido à posição da sua mão que se acredita que esta imagem tivesse, em tempos idos, algum objeto que ajudasse a caracterizar este título mariano: uma estrela, talvez, não se sabe. De referir que, ao pés da Virgem se encontram as cabeças de três anjos, de rostos rechonchudos e cabelos acastanhados. Este conjunto assenta numa base de formato octogonal, pintada em tons acastanhados. Lembre-se que esta imagem é decorada com um manto azul-marinho, debruado a linhas de ouro e que as mesmas motivam o manto, executando diversificados bordados que conferem realeza e riqueza a esta tão venerada imagem. No mesmo sentido, a Senhora da Guia é coroada por uma valiosa coroa.
A Imagem de São Miguel-o-Anjo
A imagem barroca de São Miguel de Gemunde foi talhada por volta do século XVIII. O denominado Príncipe da Milícia Celeste apresenta-se representado em posição frontal e em ligeiríssimo contraposto, adiantando o seu pé direito sobre o sinistro. O seu rosto, de faces cheias, é possuidor de um nariz fino e de boca proporcional entreaberta e timidamente sorridente. De face inclinada para o lado esquerdo, o Anjo é detentor de um olhar piedoso. Denominado de elmo, esta imagem é coroada por uma espécie de capacete azulado, adornado com motivos dourados e encimado por uma plumagem avermelhada. Debaixo do mesmo, caem-lhe cabelos encaracolados e castanhos. São Miguel traja uma túnica diminuta de manga-curta, policromada de amarelo-creme. A mesma cobre-o desde os ombros até acima do nível dos joelhos, desnudando-lhe os braços a partir do cotovelo.
O Anjo enverga ainda uma couraça azul-marinho que o cobre desde os ombros até um pouco abaixo da cinta, sendo rematada por faixas douradas. Um pequeno e avermelhado manto, esvoaço-a atrás do Arcanjo, no sentido esquerda-direita, estando apoiado sobre o ombro sinistro da imagem. Conferindo-lhe o estatuto de Anjo de Deus, atenta-se agora em mencionar as suas asas abertas e pontiagudas que surgem nas traseiras da imagem e que majestosamente estão policromadas da mesma cor amarelo-creme, sendo delimitadas e motivadas por linhas douradas. Refira-se agora que, abaixo dos joelhos, o mesmo calça umas sandálias verde-garrafa, delimitadas acima por um pequeno panejamento avermelhado e preso por uma poma dourada.

O seu braço direito apresenta-se levantado e separado do corpo, sendo que a sua mão, serrada, segura destemidamente uma espada que representa o poder da Palavra de Deus. Contrariamente, o seu braço esquerdo apresenta-se relaxado e segura, delicadamente, a balança que pesa as almas. E também estas estão incutidas nesta rica escultura. Ajoelhadas e em atitude de prece e súplica, as almas, de cabelos longos e acastanhados, olham para o Anjo, como que a suplicar a entrada no Reino dos Céus. Entende-se esta alusão se se conhecer a tradição cristã que alega que é o Arcanjo São Miguel, quem indica às almas o destino eterno, conforme as atitudes terrenas que tiveram. É por essa razão que o mesmo é conhecido como o Pesador das Almas. No mesmo sentido, a tradição católica atesta que é este o Anjo que, no Apocalipse, triunfará sobre o mal, esmagando o Demónio chamado Lúcifer. Também esta analogia se apresenta nesta completa imagem de arte sacra. Refira-se que São Miguel de Gemunde calca um negro Dragão. Este ser mitológico, de pescoço torcido para cima, idealiza ao espectador que tentou devorar as almas; no entanto, Miguel esmagou todo o seu corpo, lembrando assim a vitória de Deus sobre o mal. Toda esta imagem assenta sobre uma base retangular castanha.
Bibliografia Consultada:
- Almeida, L. G. C. (2013). Santiago de Outiz e sua Anexa São Miguel de Gemunde - Apontamentos Monográficos. Vila Nova de Famalicão: Junta de Freguesia de Outiz.
- Vieira, A. M. (2000). As Capelas no Concelho de Vila Nova de Famalicão. Vila Nova de Famalicão: Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão.